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A respeito de Lionel

por Jim Andrews

A obra e o pensamento do poeta de Vancouver Lionel Kearns, e sua relevância para as poéticas digitais contemporâneas, são foco de Sobre Lionel Kearns. O trabalho de Kearns dos anos 60 aos 80 é, com freqüência surpreendente, presciente das po éticas digitais.

O poema visual "Nascimento de Deus/uniVerso" ("BoG", de 1965) é extraordinário em sua relevância para a cultura digital, tendo sido escrito antes que esta existisse de fato. Mas, como Kearns indica, quando escreveu esse texto ele não estava pensando tanto em computadores quanto na dinâmica geratriz binária, presente nos mitos de criação, na filosofia de Leibnitz, nos princípios do ying e yang, etc. Ele estava pensando menos em tecnologia e mais em filosofia, linguagem e poesia. Isso tende a produzir um trabalho menos descartável que qualquer tecnologia dada. Computadores também podem operar em sistemas diferentes da base dois (binária) e, de fato, os primórdios da computação o fizeram. É nesse sentido que a iconicidade de "Nascimento de Deus/uniVerso" em relação ao nascimento da era digital é coincidência. No entanto, o poema é gerativo de todas as coisas, inclusive da coincidência. Ele está próximo da fonte de todas as coisas. Ele pensa sobre o primitivo. Adicionalmente, há nele uma preocupação com o design e a simplicidade que eu admiro. O "Nascimento de Deus" não é psicodélico.

Ao seguir por Sobre Lionel Kearns, o usuário encontra trabalhos como o "Poema Cinético" (1969) que começa assim: ""O poema é uma máquina," disse o homem famoso, e então estou construindo uma". Esse "homem famoso" é o poeta americano William Carlos Williams (1883 - 1963) que disse que "O poema é a menor ou maior máquina feita de palavras." O poema de Kearns segue satirizando as estupidezes e co-optações a que a arte digital está sujeita, ainda que demonstre-se excitado por suas possibilidades. Há uma fascinação ambivalente semelhante em "Eletropoeta" e "Poema Participatório". Esses três poemas são de sua coletânea de 1969 Pela Luz do Prateado McLune: Parábolas de Mídia, Poemas, Signos, Gestos, e Outros Assaltos à Interface. A primeira parte do título reconhece o papel de Marshall McLuhan como fonte de luz sobre Kearns, o que McLuhan foi para toda aquela geração, motivo que o faz de novo amplamente lido em sua relevância para a era digital.

O "Poema Participatório" diz: "Começou. Os poetas já estão fazendo seu vudu cibernético". O poema é cauteloso a respeito da tecnologia (desta vez sobre vigilância e possivelmente religião) enquanto propõe que os computadores vão certamente causar grandes mudanças na literatura, o que aparentemente envolverá os poetas não apenas com a escrita como estamos habituados a pensá-la, mas também com produção de imagem e vídeo, etc.

Aqui está o início de"Eletropoeta":

Roger costumava ficar contente
enfiando eletrodos em seu escalpo
para gravar os sonhos
diretamente em fita de vídeo que
ele reproduziria depois em circuito
fechado de TV.

Mais um vez, no poema, temos um poeta que não é apenas o escritor com concebemos por hábito, mas alguém que está envolvido em sonhar e soar sonhos sonhados para colocar a cabeça num tipo de órbita completamente diferente. E mais uma vez o poema preocupa-se com as dificuldades da situação: a medida em que lemos, descobrimos que é improvável que Roger tenha seus sonhos sonhados soando. Quem sonha o sonho e quem soa sonhando? Um p(r)o(bl)ema constante para os poetas. Não é apenas uma questão de ter que lidar com editores, no sentido tradicional; "eletropoetas" e poetas digitais igualmente encontram várias outras 'autoridades' que podem exercer diversos níveis de controle sobre o sinal, de provedores de acesso à Internet e companhias de hospedagem em servidor até aqueles que disseminam (ou não disseminam) os novos trabalhos através das conexões de que dispõem. Por isso, "Eletropoeta" é uma espécie de "parábola de mídia." O poema versa sobre situações que continuam a acontecer, ainda que de maneiras sutilmente diferentes, em várias mídias.

Sobre Lionel Kearns também contém um e-mail que Lionel me enviou.

Oi Jim. Você me pergunta sobre meus poemas visuais e como eles se relacionam com o campo atual da poesia digital. Bom, eu vou te contar minha história e deixar você decidir.

Ele segue contando um pouco sobre a atmosfera intelectual de Vancouver em meados dos anos 60 e depois também sobre Londres, onde eles fez um doutorado em Lingüística Estrutural.

Kearns é um Lingüista. O que é interessante porque uma das razões que me deixaram excitado por seu trabalho foi o fato de ele entender que há uma síntese acontecendo, nos últimos setenta anos, começando mais ou menos com os trabalhos de Godel e Turing, entre números e linguagem, entre matemática e semiótica, entre arte e ciência, entre qualquer par de campos que codificam seus materiais de forma que eles possam ser tratados numericamente. Kearns é um homem de linguagem. Kearns é um verdadeiro pensador. Kearns é um homem de mídia. Kearns é um poliartista. Kearns tem sido contemporâneo desde meados dos anos 60. Eu não posso pensar em nenhum outro poeta dos arredores que, nos anos 60, escreveu sobre temas e fez poemas do digital.

O email do poeta, em Sobre Lionel Kearns, descreve uma época de muito interesse para as poéticas digitais e para as poéticas experimentais em geral. Se ele carrega um emblema, é o de um lampejo para a poesia. Poética no contexto do espírito de mudança da resiência solitária na página para filme, poesia sonora, poesia visual, computador e outras mídias eletrônicas.

Sobre Lionel Kearns contém dois poemas animados em vídeo por Gordon Payne, Peter Huse e Kearns, no início dos anos 70. Um deles é uma versão em filme do poema visual de 1965, "Nascimento de Deus/uniVerso". Houveram aparentemente várias encarnações do BoG. Ele também apareceu numa versão em Hypercard, por exemplo. A importância dessa obra — em suas várias manifestações —, para o trabalho de Kearns pode ser vislumbrada na página de rosto de seu livro Pela Luz do Prateado McLune. Lá lemos que

O NASCIMENTO DE DEUS é a marca registrada de Lionel Kearns, copyright 1965, 1967, 1969.

Eu não consigo pensar em nenhum outro poeta que tenha uma marca registrada. O que, mais uma vez, indica o tipo sério de sátira que Kearns pratica com o mundo e consigo mesmo enquanto poeta contemporâneo que não escreve de fato, mas usa "signos, gestos, e outros assaltos à interface" entre experiência e inscrição.


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